O valor didático da arquitetura e o seu impacto no ensino
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Desde os primeiros anos de vida, a arquitetura rodeia-nos, influenciando as nossas experiências e contribuindo para a nossa educação de formas que muitas vezes passam despercebidas. Vivemos, aprendemos e socializamos em espaços construídos que, quer queiramos quer não, moldam a forma como interagimos com o mundo. Num panorama educativo em constante evolução, em que as metodologias de ensino estão cada vez mais orientadas para abordagens holísticas e experimentais, a arquitetura surge não só como pano de fundo, mas também como uma ferramenta pedagógica ativa e poderosa.

A compreensão inicial da arquitetura, muitas vezes limitada à mera construção de edifícios, tende a ofuscar a sua profunda influência no desenvolvimento cognitivo e emocional, especialmente em ambientes de aprendizagem. As pessoas interagem diariamente com os espaços arquitectónicos, mas o impacto desses espaços nos seus processos de aprendizagem nem sempre é reconhecido de forma consciente. Este facto sugere a necessidade de realçar esta influência latente no discurso educativo.

A arquitetura como ferramenta educativa


Qual é o valor didático da arquitetura?

O valor didático da arquitetura é definido como a capacidade inerente ao projeto arquitetónico e aos espaços construídos para facilitar e melhorar a aprendizagem. O ambiente físico tem o poder de dificultar ou apoiar o processo educativo de forma significativa. Por exemplo, as escolas com limites permeáveis que se ligam aos seus bairros permitem que as crianças interajam com a vida urbana e desenvolvam uma consciência cívica. Do mesmo modo, edifícios de ensino bem concebidos podem promover uma melhor aprendizagem. É essencial considerar o ambiente em que os alunos vivem como um elemento que complementa a sua educação. A ideia do “espaço como terceiro professor” sublinha o seu papel ativo na motivação dos alunos através do seu ambiente quotidiano, B1. As teorias de Malaguzzi sublinham a importância do ambiente de aprendizagem na promoção da autonomia e do desenvolvimento das crianças.

A consideração do espaço como um agente educativo ativo implica uma mudança de um modelo puramente orientado pelo professor para um modelo em que o próprio ambiente contribui significativamente para os resultados pedagógicos. Este conceito desafia educadores e arquitectos a considerarem o ambiente de aprendizagem como um participante ativo no processo educativo, em vez de um recipiente passivo. A ênfase de Malaguzzi na autonomia das crianças em relação ao seu ambiente sugere que a conceção arquitetónica deve capacitar os alunos e incentivar a exploração e a aprendizagem autónoma. Isto realça a importância de criar espaços que não sejam apenas funcionais, mas que também promovam a independência e um sentimento de pertença entre os alunos.  

Relação entre espaço e aprendizagem

A teoria da aprendizagem situada examina a relação transacional entre os aprendentes e o ambiente físico, sublinhando que a conceção dos espaços de aprendizagem deve estar em sintonia com as situações e práticas sociais previstas nesses espaços. Antes de se iniciar a conceção arquitetónica, é necessário examinar minuciosamente a finalidade dos ambientes e a forma como serão utilizados. Esta compreensão das situações sociais informa a conceção dos ambientes, permitindo que os alunos participem nas actividades planeadas para cada espaço. Edifícios educativos bem concebidos podem promover uma melhor aprendizagem, estimulando a criatividade e a experimentação.

A própria arquitetura pode ajudar a definir métodos educativos mais transformadores e progressivos. A teoria da aprendizagem situada sublinha que os ambientes de aprendizagem eficazes não são genéricos, mas sim especificamente concebidos para apoiar os objectivos pedagógicos e as actividades que neles terão lugar. Isto sugere a necessidade de uma colaboração estreita entre educadores e arquitectos para garantir que a conceção dos espaços de aprendizagem seja informada por princípios e práticas pedagógicas. A ideia de que a arquitetura pode definir métodos educativos sugere uma poderosa relação recíproca em que o ambiente construído pode inspirar e permitir abordagens de ensino inovadoras. Isto vai para além da simples acomodação dos modelos pedagógicos existentes e passa a moldá-los e a promovê-los ativamente através da conceção.  

Benefícios da arquitetura na educação


Estimulação do pensamento crítico e da criatividade

O ensino da arquitetura envolve a análise de precedentes, a crítica de projectos e a avaliação de quadros teóricos, cultivando assim o pensamento crítico. O processo de conceção iterativo na arquitetura incentiva a exploração e a experimentação, eliminando a ideia errada de que a conceção é uma simples decisão e reconhecendo-a como uma arte que explora diferentes aspectos e modelos, o que, por sua vez, estimula a criatividade. Aprender sobre as estruturas arquitectónicas pode ajudar as crianças a estruturar o seu pensamento. Além disso, a arquitetura aumenta a consciência espacial, centrando-se nas relações espaciais e na manipulação do espaço, o que melhora a imaginação e conduz a soluções de design inovadoras.

A natureza analítica e de resolução de problemas inerente à conceção arquitetónica traduz-se diretamente no desenvolvimento de competências de pensamento crítico nos estudantes. Ao interagir com conceitos arquitectónicos, os estudantes aprendem a questionar pressupostos, a avaliar soluções e a pensar de forma sistemática. A ênfase nas relações espaciais e a liberdade de experimentar no âmbito do projeto de arquitetura alimentam a imaginação e fomentam a criatividade, competências essenciais para enfrentar desafios complexos. A arquitetura proporciona um meio tangível para explorar e exprimir ideias criativas, permitindo aos estudantes ir além dos conceitos abstractos.  

Fomento da educação sensorial e experimental

A arquitetura envolve múltiplos sentidos (visão, tato, audição, olfato) e contribui para uma compreensão holística do espaço. Espaços bem concebidos podem aumentar a concentração e a criatividade, estimulando os sentidos de forma adequada. A aprendizagem experimental desempenha um papel crucial no ensino da arquitetura, em que os estudantes adquirem conhecimentos através da experiência direta e de projectos práticos. A interação com o ambiente construído, incluindo visitas ao local, permite uma compreensão e uma ligação mais profundas ao espaço. A conceção sensorial na arquitetura reconhece a importância de envolver todos os sentidos humanos para criar experiências de aprendizagem mais impactantes e significativas.

Ao considerar a luz, a acústica, as texturas e até os aromas, os educadores e arquitectos podem criar ambientes mais propícios à aprendizagem e ao bem-estar. A aprendizagem experimental em arquitetura vai além da receção passiva de informação e passa a envolver-se ativamente com o mundo material, promovendo uma compreensão e retenção mais profundas. Os projectos práticos e as interações com o mundo real permitem aos estudantes aplicar os conhecimentos teóricos e desenvolver competências práticas.  

Aplicações em diferentes fases de ensino

Mesmo as crianças pequenas têm um sentido intuitivo da arquitetura e da sua finalidade, que pode ser encorajado através de jogos e actividades simples. Exemplos de actividades relacionadas com a arquitetura para crianças do ensino primário incluem a construção de fortes, visitas a edifícios locais e conversas sobre caraterísticas de design. No ensino secundário, a arquitetura pode ser integrada através de projectos, da construção de modelos e da exploração da história e do contexto social dos edifícios.

No ensino superior, o ensino da arquitetura centra-se no desenvolvimento de competências de conceção, do pensamento crítico e de uma compreensão profunda da teoria e da prática da arquitetura. O valor didático da arquitetura não se limita aos estudos formais de arquitetura, mas estende-se a todas as fases educativas, oferecendo oportunidades de aprendizagem valiosas desde a primeira infância até à idade adulta. Os princípios da consciência espacial, do pensamento projectual e da compreensão do ambiente construído são relevantes e benéficos para alunos de todas as idades.

Métodos de integração da arquitetura no ensino


A arquitetura na sala de aula: projectos e modelos

Podem ser realizados projectos em sala de aula, como a conceção de uma casa de sonho, a construção de uma cidade modelo ou a criação de um edifício sustentável. A construção de maquetas é benéfica para a compreensão das relações espaciais e dos conceitos de design. Existem recursos e kits disponíveis para a construção de modelos arquitectónicos no ensino. Os projectos práticos e a construção de modelos proporcionam aos alunos formas tangíveis de interagir com conceitos arquitectónicos, promovendo a criatividade, a capacidade de resolução de problemas e a compreensão do espaço. Estas actividades permitem que os alunos ultrapassem as ideias abstractas e manipulem fisicamente as formas e os espaços.

Visitas a espaços arquitectónicos como aprendizagem pela prática

As visitas ao local são valiosas para conhecer a arquitetura em primeira mão e aprender com exemplos do mundo real. Para realizar visitas guiadas eficazes, recomenda-se a observação de pormenores, a consideração da experiência do utilizador e a análise do projeto no seu contexto. As organizações de arquitetura oferecem recursos como kits e programas de visitas guiadas. A visita a espaços arquitectónicos reais proporciona oportunidades de aprendizagem experiencial inestimáveis, permitindo aos estudantes relacionar os conhecimentos teóricos com aplicações reais e desenvolver uma apreciação mais profunda do ambiente construído. A interação direta com os edifícios permite um envolvimento multissensorial e uma compreensão mais profunda da intenção e do impacto da conceção.

A utilização da tecnologia e da realidade aumentada no ensino da arquitetura

As ferramentas de desenho digital, como o BIM e o software de modelação 3D, desempenham um papel importante no ensino da arquitetura. A realidade aumentada (RA) pode melhorar a aprendizagem da arquitetura, permitindo que os estudantes visualizem e interajam com os projectos em tempo real no seu ambiente físico. As vantagens da RA incluem uma melhor visualização espacial, maior colaboração e feedback em tempo real. A tecnologia, em especial a RA, oferece ferramentas poderosas para transformar o ensino da arquitetura, tornando os conceitos espaciais complexos mais acessíveis e cativantes para os alunos. A RA faz a ponte entre o mundo digital e o mundo físico, permitindo experiências de aprendizagem imersivas e interactivas que podem aprofundar a compreensão e fomentar a criatividade.

Exemplos de pedagogia arquitetónica em todo o mundo


Escolas concebidas para a aprendizagem

A nível mundial, existe um movimento crescente no sentido de conceber escolas que não sejam apenas edifícios funcionais, mas que também sejam intencionalmente concebidas para apoiar princípios pedagógicos específicos e melhorar a experiência de aprendizagem. A Escola Reggio em Madrid incorpora uma floresta para ajudar a oxigenação e a regulação da temperatura interior. Tem também espaços exteriores concebidos para que os pássaros possam nidificar sem serem perturbados e uma pele de cortiça que serve de habitat para plantas, insectos e fungos. O Colégio da Biodiversidade em Paris apresenta um projeto que traz um pedaço de prado rural para o centro da cidade. Os alunos aprendem sobre os processos de polinização e os métodos de agricultura biológica. As “Forest Classrooms” na Belvue School, em Londres, foram criadas através da incorporação de uma pequena floresta adjacente. Os workshops com os alunos ajudaram a reimaginar a floresta, levando à construção de limiares que ligam a escola ao “reino misterioso e mágico” da floresta.

A Warsaw High School utiliza as escadas de aprendizagem como centros dinâmicos de participação estruturada e espontânea, promovendo a colaboração e a interação. A Avon Community School Corporation e o Wisconsin Heights School District utilizam murais gráficos, cores fortes e imagens para celebrar o espírito escolar, a cultura e os valores locais, criando um maior sentimento de pertença para os alunos e o pessoal. A Merrillville Community School Corporation expandiu os seus espaços de Educação Técnica e de Carreira para incluir oficinas modernas, laboratórios e espaços de simulação que apoiam a aprendizagem prática.

Programas de formação com base na arquitetura

Numerosas organizações e instituições de todo o mundo reconhecem o valor educativo da arquitetura e oferecem uma variedade de programas e recursos para a apresentar aos estudantes a diferentes níveis.

  • O programa Architects in Schools (AiS) tem como objetivo apresentar aos jovens do Oregon o poder e as possibilidades do design, com o objetivo final de criar alunos para toda a vida e pensadores críticos que tenham voz na sua comunidade.
  • O programa Architects in Schools (AiS) tem como objetivo apresentar aos jovens do Oregon o poder e as possibilidades do design, com o objetivo final de criar alunos para toda a vida e pensadores críticos que tenham voz na sua comunidade.
  • A Lumiere Research Inclusion Foundation oferece um programa de investigação sem fins lucrativos concebido para estudantes sobredotados provenientes de meios com baixos rendimentos, proporcionando acesso a experiências de investigação independentes sem qualquer custo.
  • Camp ARCH na Texas A&M University oferece uma visão única dos recursos académicos e das oportunidades de carreira em arquitetura para alunos do 10º, 11º e 12º anos.
  • O Chicago Architecture Center’s Teen Fellows oferece experiência em arquitetura, design e planeamento urbano a estudantes do ensino secundário de Chicago.
  • O Build San Francisco Summer Design Institute ensina aos estudantes do ensino secundário competências de design digital relevantes para a arquitetura. O Fallingwater Institute oferece residências de verão para estudantes do ensino secundário explorarem a arquitetura e o design.
  • O Architecture Discovery Program da WashU apresenta aos estudantes do ensino secundário os fundamentos do design. Os Dias de Imersão em Design no Southern California Institute of Architecture (SCI-Arc) permitem aos estudantes do ensino secundário explorar a arquitetura e o design em Los Angeles.
  • O Programa de verão de Introdução à Arquitetura da Universidade de Cornell é uma experiência em linha para estudantes do ensino secundário e universitário.  

Neuroarquitectura e aprendizagem


A neuroarquitectura é um campo emergente que se centra na forma como a conceção arquitetónica influencia o cérebro e o comportamento, em especial no que diz respeito à aprendizagem. Elementos de design como a iluminação, a acústica e a disposição espacial podem afetar a concentração, a criatividade e o bem-estar dos estudantes. É importante criar ambientes de aprendizagem seguros, confortáveis e estimulantes que promovam respostas emocionais positivas e reduzam o stress. O design biofílico desempenha um papel crucial na incorporação de elementos naturais para melhorar o humor, a concentração e a criatividade. A neuroarquitectura fornece uma base científica para a compreensão do modo como o ambiente físico de aprendizagem afecta diretamente os processos cognitivos e os estados emocionais, sublinhando a importância de uma conceção cuidada para otimizar os resultados da aprendizagem. Ao considerar o impacto neurológico das decisões de conceção, os educadores e arquitectos podem criar espaços que apoiem verdadeiramente a aprendizagem e o bem-estar.  

Conclusão


A importância de repensar os espaços educativos

O valor didático da arquitetura é significativo e tem o potencial de transformar a educação. É necessária uma abordagem mais consciente e integrada para a conceção de espaços de aprendizagem, envolvendo a colaboração entre educadores, arquitectos e estudantes. É necessária mais investigação e inovação no domínio da pedagogia arquitetónica e da neuroarquitectura. Os educadores e os decisores políticos são encorajados a reconhecer e a aproveitar o poder da arquitetura como ferramenta educativa para criar ambientes de aprendizagem mais envolventes, eficazes e equitativos para todos. Repensar os espaços educativos através da lente da arquitetura oferece uma oportunidade poderosa para melhorar a aprendizagem, fomentar a criatividade e promover o bem-estar, acabando por moldar uma paisagem educativa mais positiva e eficaz. Ao reconhecer o papel ativo do ambiente construído na educação, podemos avançar para a criação de espaços que apoiem verdadeiramente as diversas necessidades dos alunos e educadores.

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