Arquitetura e Cinema: um diálogo visual
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A arquitetura e cinema partilham uma ligação profunda: ambas as disciplinas se baseiam na composição visual, na narrativa espacial e na criação de atmosferas para transmitir mensagens e emoções ao espetador. Neste artigo, vamos explorar a forma como a arquitetura contemporânea desempenhou um papel de liderança em alguns dos filmes mais emblemáticos do nosso tempo, analisando cada caso em profundidade.

Blade Runner e o edifício Bradbury: uma viagem à Los Angeles do futuro


No filme de ficção científica neo-noir Blade Runner, de 1982, realizado por Ridley Scott, a cidade de Los Angeles é transformada numa paisagem urbana distópica do futuro. Neste contexto, o edifício Bradbury, um marco arquitetônico de estilo vitoriano construído em 1893, torna-se um elemento-chave da narrativa. A sua imponente fachada de tijolo, as elaboradas escadas de ferro forjado e o interior iluminado por clarabóias criam uma atmosfera de mistério e decadência que define o cenário do filme.

Aspectos arquitectónicos de destaque:

Estilo: Victoriano

Ano de construção: 1893

Localização: Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos

Arquiteto: Lewis Sullivan

Características: Fachada em tijolo, escada em ferro forjado, clarabóias, átrio central.

Significado no filme: O Edifício Bradbury funciona como um portal entre o presente e o futuro distópico apresentado em Blade Runner. O seu design intemporal, embora não seja contemporâneo no sentido mais estrito, contrasta com os elementos futuristas da cidade, criando uma sensação de desorientação e alienação no espetador.

A Internacional e o Museu Guggenheim de Nova Iorque: um thriller de espionagem num ícone da arquitetura


No thriller de espionagem The International, realizado por Tom Tykwer em 2009, o enredo desenrola-se em vários cenários europeus emblemáticos, incluindo o Museu Guggenheim em Nova Iorque. Este edifício, concebido pelo famoso arquiteto Frank Lloyd Wright e inaugurado em 1959, torna-se o cenário de uma sequência de ação emocionante. O seu design único, com a sua forma em espiral e a utilização inovadora do espaço, confere dinamismo e visualidade à cena, criando uma atmosfera de tensão e perigo.

Aspectos arquitectónicos de destaque:

Estilo: Modernismo orgânico

Ano de construção: 1959

Localização: Cidade de Nova Iorque, Estados Unidos

Arquiteto: Frank Lloyd Wright

Características: Forma em espiral, rampas contínuas, clarabóias, utilização de betão armado e vidro.

Significado no filme: A escolha do Museu Guggenheim como cenário não foi por acaso. A sua arquitetura arrojada e vanguardista reflecte a natureza complexa e perigosa do mundo da espionagem internacional retratada no filme. A sequência de ação no museu simboliza a luta entre a ordem e o caos, entre a razão e a ambição desenfreada.

Villa Malaparte e Le Mépris: o drama de um caso de amor numa obra-prima da arquitetura moderna


No filme dramático Le Mépris, realizado por Jean-Luc Godard em 1963, a Villa Malaparte, uma imponente casa modernista situada nas falésias de Capri, em Itália, ocupa o centro da história. Projectada pelo arquiteto italiano Adalberto Libera e concluída em 1942, a Villa Malaparte é uma obra-prima da arquitetura moderna, caracterizada pelo seu design arrojado, pela sua integração com o ambiente natural e pelas suas vistas deslumbrantes sobre o Mar Mediterrâneo.

Aspectos arquitectónicos de destaque:

Estilo: Modernismo italiano

Ano de construção: 1942

Localização: Capri, Itália

Arquiteto: Adalberto Libera

Características: Formas geométricas, utilização de betão armado, terraços panorâmicos, piscina infinita, integração na paisagem.

Significado no filme: A Villa Malaparte, com a sua arquitetura imponente e localização privilegiada, torna-se um símbolo de beleza e sofisticação. No entanto, esta beleza exterior esconde uma realidade mais sombria: a decadência moral e a superficialidade das personagens que a habitam.

High-Rise e a Torre Balfron: uma distopia urbana num edifício brutalista


O thriller psicológico High-Rise, de 2015, realizado por Ben Wheatley, apresenta uma torre residencial fictícia de estilo brutalista que se torna o cenário de uma luta pelo poder e pela sobrevivência. 

O filme utiliza a Torre Woermann em Las Palmas de Gran Canaria, Espanha, e o Alexandra Road Estate em Londres, Reino Unido, como referências morfológicas para o seu complexo de edifícios fictícios.

No entanto, a Torre Balfron, em Londres, um verdadeiro exemplo da arquitetura brutalista dos anos 60, é um exemplo perfeito em termos de tipologia e utilização. A Torre Balfron, com a sua estrutura de betão armado exposto, janelas repetitivas e design monolítico, cria uma atmosfera opressiva e alienante, tal como a que se reflecte no tema do filme.

Aspectos arquitectónicos de destaque:

Estilo: Brutalismo

Ano de construção: 1967

Localização: Londres, Reino Unido

Arquitetos: Ernő Goldfinger e Alison Smithson

Características: Estrutura de betão armado exposto, janelas repetitivas, design monolítico, brutalismo.

Significado no filme: A Torre Balfron, tanto na sua representação ficcional como na sua presença real no filme, simboliza a desumanização e a alienação da sociedade moderna. O design brutalista do edifício reflete a violência e o caos desencadeados no interior da torre, enquanto a sua localização isolada num bairro de lata de Londres representa a marginalização e o abandono.

Ex Machina e o Hotel Juvet: um thriller de ficção científica num refúgio minimalista


No filme de ficção científica Ex Machina, realizado por Alex Garland em 2014, a ação decorre numa casa que corresponde ao Hotel Juvet, um espaço boutique minimalista situado nas montanhas da Noruega. Este edifício, projetado pelo arquiteto norueguês Jørn Utzon, caracteriza-se pelo seu design contemporâneo, pela sua integração com o ambiente natural e pela utilização de materiais nobres como a madeira e a pedra. O hotel Juvet cria uma atmosfera de calma e isolamento que contrasta com a tensão psicológica que se desenrola no filme.

Aspectos arquitectónicos de destaque:

Estilo: Minimalismo nórdico

Ano de construção: 1997

Localização: Valldal, Noruega

Arquiteto: Jørn Utzon

Características: Design minimalista, integração com o ambiente natural, utilização de materiais nobres, grandes janelas, vistas panorâmicas.

Significado no filme: O Hotel Juvet funciona como um cenário perfeito para o filme Ex Machina, uma vez que o seu design minimalista e a sua localização isolada reflectem a natureza introspectiva da história e a solidão do protagonista. O espaço também simboliza a fronteira entre o mundo natural e o mundo artificial, entre a realidade e a simulação, um tema central no filme.

Conclusão


A arquitetura e o cinema, duas disciplinas que partilham uma linguagem visual e a capacidade de contar histórias, estabelecem um diálogo constante e inspirador. Os filmes abordados neste artigo demonstram a riqueza deste intercâmbio, em que a arquitetura contemporânea, com a sua constante evolução e a sua capacidade de refletir os desafios e as aspirações da sociedade atual, continuará a ser uma fonte de inspiração para os cineastas que procuram explorar temas complexos e criar histórias que ressoem junto do público.

O cinema tem o poder de dar vida a edifícios e espaços arquitectónicos, permitindo ao espetador viver a arquitetura de uma forma única e sensorial.

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